quinta-feira, 26 de julho de 2012

Sobre os caras que tocam violão


Este texto é estúpido, por dois motivos: Estou cansado e bêbado. E por um terceiro motivo, que me lembrei somente agora justamente por estar bêbado: Eu sei tocar violão.
Muitas pessoas sabem tocar violão. Mas eu sei tocar violão. E o que há demais em tocar violão? Nada. Mas alguma coisa há em tocar violão.
O motivo que leva um ser humano, um bípede com demasiados e inúteis pelos sobre o crânio a chacoalhar seus 206 ossos empunhando um violão é um terreno arenoso, pegajoso, como mãos de crianças na segunda-série enquanto colam cartolina verde sobre cartolina amarela.
Eu não quero falar de ego. Eu não consigo mais escrever sobre. Todos nós somos egos sobre rodas e o violão para muitos é um óculos novo, mas eu também não quero falar sobre isso. Deixe-me falar menos do óbvio, que é óbvio, todos querem aplaudir.
Os caras, baixos ou altos, magros ou largos, enfiados em camisas negras com estampas baratas de gravuras diabólicas ou ternos caros e reluzentes chapéus de blues, todos eles aprenderam tocar violão pelo mesmo motivo: Eles querem tocar você.
E eu admiro alguém que procura tocar outrem. Mesmo que seja a única música do Nirvana, mesmo que seja para a garota errada, mesmo que seja para agradar o pai que gosta de música ou desagradar o pai que não gosta de música, ou ainda visando se destacar no culto religioso... Tanto faz. Eu admiro esse cara. Eu admiro qualquer coisa que possa emitir um som, desde que triste.
Mas eu não estou bêbado.
Nem tão cansado assim.
E por fim, este texto não ficou tão obtuso.
Tudo isso porque eu não sei tocar violão.
Tudo isso porque eu desisti de tocar você.
Só e mudo eu consigo libertar meu som, belo, portanto, triste.
Uma nota dele está aqui.
Você pode escutar?
Talvez eu também tenha mentido sobre tocar você.

Autoria de Tiago André Vargas, que realmente não sabe tocar violão, mas tem um violão em casa.

Fotografia de Heidi.

domingo, 15 de julho de 2012

Baloiçar


Um avô eterno primeiro melhor amigo disse que tudo nesta vida era para se balançar.

Havia um balanço
Uma terra judiada para se impulsionar
E algum vento com prazo de validade a tocar no rosto
Alice segurou as correntes atadas àquela tábua
Sentou-se
E com vinte dedos se pôs a voar

Havia um balanço
Alguém para com quem compartilhar
Somaram-se dez dedos pelas costelas a lhe empurrar
Um vento válido com frescor de pêssego
Uma tarde de hálitos doces escorrendo pela grama
Pois Alice nunca se engana
Nem mesmo seus cabelos podem lhe acompanhar

Havia dois balanços
Alguém para com quem voar
O vai e vem da vida
Eras por baixo estações por cima
Chuva noturna dedos e língua
Ninguém queria tocar nas nuvens
Apenas sorrir em sincronia
Ninguém queria voar mais alto
Apenas balançar a vida

Autoria de Tiago André Vargas
Fotografia de Ton Müller.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Ursos polares não podem sonhar


- Então você tem uma cafeteira?

É, eu tenho uma cafeteira. Eu posso compreender o fato de ter uma cafeteira, mas não o de um menino de 6 anos estar ao lado dela.

- Quem é você?

Puxou o fim do tecido da camiseta roxa esticando-o em plenitude, cabeça curvada olhando curioso para ela como se fosse a própria pele. Ergueu a cabeça:

- Sei lá.

Silêncio. O silêncio estava bom, mas os jovens sempre voltam a falar:

- Desde quando você toma café?

Sentei-me na velha cadeira no regojizo de cruzar as pernas. Olhei para ele da mesma forma que faria diante o último urso polar da via láctea.

- Acho que desde o dia em que aprendi a vender meus sonhos.
- Você vende sonhos?
- O tempo todo.
- Por quê?
- Não há nada mais para se fazer com eles. Eu troco por silicone, polimentos, cuecas de algodão e grãos de café. Quem sabe um ímã turístico de uma cidade que nunca irei.

Ele me olhava com grandes olhos, eram bocas de serpentes engolindo escuridão, ele queria me dizer algo, ele iria me dizer algo, eu não queria ouvir algo, eu!

- Eu compro sonhos.

Ele tinha belos olhos, bela pele e uma larga camiseta roxa. Ele tinha 6 anos. Ele comprava sonhos. Ele voltou a falar:

- Eu comprei vários para você!
- Para trocá-los por grãos de café?
- NÃO! NÃO É PARA TROCÁ-LOS! É PARA MATÁ-LOS!

Mas que menino do diabo! Odeio crianças gritando, da mesma forma que odeio ursos polares que não conseguem procriar mais rápido que o aquecimento global!

Olhei para ele. Senti minhas pernas cruzadas e balancei uma vez meu pé esquerdo. Seus olhos eram negros, colossais, aumentavam a cada segundo. Joguei minha xícara de café sobre o menino.
Ele desapareceu.
Eu gritei.

Espichei ao máximo a minha camiseta e pude perceber que ela era roxa e o café sobre ela queimava.

Eu tinha um sonho. É triste saber disto pois não é o tipo de coisa que se pode esconder, um sonho sempre é maior que você.
Eu tinha um sonho. Eu tinha uma cafeteira. Eu tinha uma caneta esferográfica com a tampa mordida. Eu tentei matar o meu sonho da única forma em que os sonhos realmente morrem e se tornam nada mais que o próprio nada: Realizando-os.
Quanta dor me assola o simples tentar. Mas o que faria então com meus sonhos ao invés de torcê-los por prazer e dor? Trocá-los por cuecas de algodão? Poliéster?
Eu tenho que tentar.
Bem como o urso polar precisa tentar ao se equilibrar sobre o gelo que trinca.

Há um gole de café, uma mordida de esperança, algum tipo de extinção que se aproxima.
Sempre.
Autoria de Tiago André Vargas

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Meu amor é um quarto sem portas


Eu escrevi isso em um papel que hoje é amarelo. Poucas coisas são amarelas e nós sabemos o motivo.
Não havia nada.
Nada.
Só o espaço, quem sabe o chão desenhado. É preciso desenhar um chão e nós sabemos o motivo.
Neste completo indizível “nada” surgiu um quarto. Sim, quatro paredes sustentam outra arrogante que sobre estas se deita fazendo questão de ser chamada por outro nome.
Classe social? Pode ser.
Dentro deste quarto estava o meu amor.
Sem portas.
O que faria com ele dentro desta caixa de concreto inatingível? Você não pode viver sem maçanetas. Enfia este polegar no.
Existe muito concreto, pouco amor, algumas portas, pouco amor.
Alguém despenteado em um corredor de paredes azul-piscina abrindo a octogésima nona porta de sua vida vazia? Pode ser.
 Mas eu não me preocupava com as portas, muito menos as maçanetas criadas pelos deuses, eu tinha o meu bloco de concreto cheio de amor.
Meu amor é um quarto sem portas, mas eu já falei isso e nós sabemos o motivo.
Eu morri tantas vezes apunhalando-o com ossos frágeis, com minha têmpora menos quebradiça, mas nunca forte o bastante.
Desisti, como sempre.
Absorto percebi: Eram as paredes que eu amava.
Se as derrubasse contemplaria o nada, pois não aprisionaria o meu amor. Se as derrubasse meu amor seria visto, desnudo, assemelho... Logo, não mais amor.
Amar é crer.
Um quarto sem portas.
Uma piscina vazia.
Uma piscina cheia.
Você.

Autoria de Tiago André Vargas
Fotografia de FireFlyExposed.

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